Galera, vou colocar umas matérias maneiras de alguns judocas que se destacam ou se destacaram no cenário nacional. Vou começar pelo Flávio Canto, com uma entrevista show de bola para o site Conexão Aluno, vinculado à Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro.
Ele é advogado, nasceu em Londres, e trouxe para o Brasil o bronze olímpico, em Antenas, em 2004. Quer mais? Flávio Canto foi medalhista de ouro no Torneio de Ranqueamento Olímpico da Argentina (2003), ouro nos Jogos Sul-Americanos (2002), pentacampeão Sul-Americano de judô (1995, 96, 97, 98 e 2000), tetra-campeão pan-americano (1997, 99, 2003 e 2004), medalhista de bronze no Torneio de Moscou, entre outras conquistas. Mas na sua história cabe muito mais do que medalhas.
O judoca é responsável pela coordenação de uma ONG que ensina o esporte a crianças carentes no Rio de Janeiro. O Instituto Reação atende cerca de mil jovens nos quatro pólos de treinamento: Rocinha, Tubiacanga (Ilha do Governador), Pequena Cruzada e Cidade de Deus. De lá, já surgiram vários talentos. Como a Rafaela Lopes, aluna do pólo da Cidade de Deus. Ela foi a terceira campeã mundial júnior no país.
Mas além da prática do esporte, o Instituto Reação investe no aprimoramento das crianças. Para isso, estruturou uma metodologia educacional para ajudá-los a ter mais opções no mercado de trabalho. O resultado são os 55 alunos com bolsas em escolas e universidades particulares através da parceria com a ONG. Além de vitórias e derrotas, Flávio leva para os tatames do Reação lições de vida. “O judô tem como principal objetivo ensinar cada praticante a lidar com suas emoções. Um dos seus princípios diz: “conhecer-te é dominar-te, dominar-te é triunfar”. Tento passar para os alunos que há coisas muito mais importantes nesse processo do que a vitória e a derrota”.
E o que os alunos precisam para participar do projeto? Quer saber? Leia a entrevista com Flávio Canto na íntegra.
Conexão Aluno (CA)- Primeiro, gostaria que você falasse da sua trajetória. O que o motivou a entrar para o judô?
Flávio Canto - Comecei o judô aos 14 anos por influência de meu irmão, que já praticava há alguns anos, e da medalha de ouro do Aurélio Miguel, nas olimpíadas de Seul. Como comecei tarde e com a inspiração de uma conquista olímpica, desde o primeiro dia resolvi levar a sério a proposta de seguir os passos do Aurélio e treinava, mesmo na faixa branca, num ritmo de atleta de alto-rendimento. Aos 19 anos, ganhei minha primeira seletiva nacional, já na categoria adulto, e no ano seguinte estreava em minha primeira olimpíada.
CA - Conversando com as crianças, percebi o quanto você influencia a vida delas. Como você lidou com o fato de não ter participado dessa última olimpíada?
Flávio Canto - O fato de já estarmos juntos há mais de oito anos faz com que todos eles já tenham me acompanhado em bons e maus momentos, em vitórias e derrotas. A maneira como lido com as duas situações acaba servindo de exemplo pra eles também. Pelo menos, assim imagino. Eu nunca supervalorizei nenhuma das duas situações. Nunca perdi tempo lamentando derrotas ou comemorando vitórias. Sempre passo pra eles que ambas as experiências são essenciais na nossa formação. O mais importante é aprender com o que sentimos. O judô tem como principal objetivo ensinar cada praticante a lidar com suas emoções. Há um princípio que diz que "conhecer-te é dominar-te, dominar-te é triunfar". Enfim, o que quero dizer é que tento passar que há coisas muito mais importantes nesse processo do que a vitória e a derrota.
CA - Um dos alunos comentou que não pode lavar a faixa dele senão os bons momentos que viveu com ela vão embora. E daí surgiu a discussão entre as crianças. Diz para gente o que é certo.
Flávio Canto - Não se lava faixa no judô. Não sei bem o porquê. Simbolicamente, o que posso dizer sobre as "alegorias" referentes à faixa é que ela representa nossa vontade. Por isso, temos que amarrá-la na cintura com firmeza.
CA - Escolha um momento inesquecível da carreira.
Flávio Canto - Acho que a medalha olímpica em Atenas representou o momento mais emocionante da minha trajetória. Meu pai havia sofrido um infarto dois meses antes e teve que se submeter a uma cirurgia de ponte de safena. Ele conseguiu se recuperar a tempo e pôde viajar com toda minha família para as Olimpíadas. De todos os momentos do judô, o que mais me marcou foi o jantar em Atenas com minha família depois da conquista da medalha e todos "vivos".
CA - Como você vê o judô brasileiro hoje?
Flávio Canto - O judô brasileiro é um dos mais respeitados no mundo. Nos últimos dez anos, tivemos uma evolução incrível. Conquistamos medalhas olímpicas desde Los Angeles, em 84. É o único esporte no Brasil que volta com medalhas em todas as Olimpíadas desde então. No último mundial da modalidade, terminamos em primeiro no geral masculino e em segundo no geral (feminino e masculino).
CA - Você pretende participar da próxima olimpíada?
Flávio Canto - Ainda não sei até quando continuo competindo. Há algum tempo que prefiro não traçar metas de longo prazo. No judô, para atingir um objetivo precisamos conquistar uma série de resultados. Só faz sentido sonhar com o Mundial se me classificar para o Mundial. Idem com Olimpíadas. Por isso, prefiro me concentrar numa coisa de cada vez, uma meta de cada vez. Para 2009, as metas se concentram, na primeira etapa do ano, nas Copas do Mundo.
CA – E quanto ao Instituto? Quais os planos para 2009?
Flávio Canto - Será um ano de novidades no Instituto. Estamos ampliando nosso programa de educação na Rocinha e replicando parte dele em outros dois pólos: Tubiacanga e Cidade de Deus. Nosso programa de capacitação profissional e de encaminhamento de alunos para escolas e universidades particulares também tende a ser ampliado. E iniciamos formalmente nosso programa Reação Olímpico, em parceria com o Ministério de Esportes. Até o final do ano, deveremos ter outras grandes novidades.
CA – O que é o projeto Reação Olímpico?
Flávio Canto - O projeto tem como principal objetivo a detecção de talentos dentro dos pólos, além da preparação desses atletas para integrarem seleções nacionais de judô. O Programa é coordenado pelo técnico Geraldo Bernardes, técnico de quatro olimpíadas e 20 anos na seleção brasileira. O objetivo é criarmos dentro do Reação uma possibilidade de acompanhamento adequado, em termos técnicos e estruturais, para os principais atletas.
CA - O que crianças e jovens precisam fazer para poder freqüentar o Instituto?
Flávio Canto - Disposição. Tanto para o judô como para o programa de educação nos pólos onde ele já existe. A idéia é que o aluno participe diariamente dos programas de judô e educação. Para freqüentar um precisa freqüentar o outro e vice-versa. Obviamente, o aluno precisa ter seriedade e assiduidade também.
CA - Hoje vocês atendem cerca de mil crianças. Já saíram alguns talentos dos pólos de treinamento?
Flávio Canto - Inúmeros. O Reação já é uma das grandes escolas do judô estadual e vem se consolidando como uma referência nacional. Nos últimos quatro anos, terminamos em primeiro ou segundo no ranking geral da federação do Estado, à frente de clubes com grande tradição no judô estadual, como Flamengo e até o meu clube (Gama Filho). Conquistamos, através de nossos atletas, títulos nacionais, sul-americanos e pan-americanos. Em 2009 tivemos nosso melhor ano com medalhas em Copas do Mundo (Alemanha e Brasil) e nossa primeira medalha em Mundiais. Rafaela Lopes, aluna do pólo Cidade de Deus, foi a terceira campeã mundial júnior da história de nosso país.
CA - A prática do esporte é uma saída para muitas crianças carentes. O que você diria para quem deseja ser um judoca?
Flávio Canto - A prática do esporte é fundamental para a juventude. O esporte é uma escola de valores indispensável para a formação integral de nossos jovens, sejam eles de baixa renda ou classe AA. Aos que desejarem seguir o caminho do judô, lembrem-se sempre que mais importante que a evolução técnica é a evolução espiritual do praticante. Os valores associados ao judô - disciplina, determinação, coragem, equilíbrio, humildade - devem ser transferidos e praticados fora dos tatames em tempo integral.
CA - É possível comparar a sensação de lutar e ganhar uma medalha para o país e lutar pelas crianças que você treina para que elas tenham outras opções de vida? Como são essas experiências?
Flávio Canto - É difícil comparar. Acho que a sensação de ter um aluno tendo a vida transformada pra melhor, através de um grande resultado competitivo, de uma conquista acadêmica ou pessoal, é maior do que qualquer medalha olímpica.